A Formação do Homem
O grande físico inglês, sir Oliver Lodge, escreveu uma pequena
obra, sintetizando as conquistas da ciência e da filosofia, no terreno do
conhecimento do homem em si mesmo, para concluir, de acordo com as novas
perspectivas abertas pelo Espiritismo, em favor da tese renovadora de que o
homem é ainda um processo em desenvolvimento. Essa tese contradiz os dogmas
religiosos que definem o homem como obra consumada de Deus, mas não contradiz
os ensinamentos mais profundos e mais antigos das escrituras sagradas, em que
as religiões procuram assentar as suas bases, nem contradiz o resultado das modernas
pesquisas científicas e a mais avançada concepção filosófica da origem e do destino
do homem.
A teoria do transformismo, da evolução das espécies, de
Charles Darwin, simultaneamente apresentada pelo grande botânico e zoólogo
Alfred Russel Wallace, que mais tarde escreveu o seu famoso livro Os Milagres e o Moderno Espiritualismo,
apresenta o homem como descendente direto de espécies inferiores, dos animais,
e mais proximamente, do macaco.
Segundo essa teoria, o homem é um ser que vem sendo elaborado
pela natureza através de longo processo, passando pelas mais variadas experiências
biológicas, para chegar ao seu estado atual, e daqui avançar para frente.
Assim, a vida não é mais do que um trabalho constante de elaboração, e o homem
é o mais elevado produto desse esforço multimilenar de todas as forças
conhecidas e desconhecidas do universo que habitamos.
A teoria da seleção das espécies e da origem animal do homem
ainda não está cientificamente comprovada, mas é geralmente aceita como a única
explicação razoável do aparecimento da espécie humana na Terra, do ponto de
vista científico. Os teólogos das várias religiões cristãs, e ultimamente
alguns teósofos e ocultistas, levantam objeções teológicas e filosóficas a essa
teoria, mas todas elas destituídas de qualquer fundamento científico. A
tendência geral da ciência moderna é favorável a essa teoria e a maior parte
dos biólogos a aceita e a endossa, sem qualquer restrição fundamental.
Há pessoas que entendem não ser possível tão estreito
parentesco entre os homens e os animais, considerando tal fato depreciativo
para a espécie humana. Puro e simples orgulho de um animal mais adiantado na
escala evolutiva. E incoerência também, pois já não bastaria, para a satisfação
desse orgulho, a suposição de que é o homem o máximo expoente do universo por
ele habitado?
Em O Livro dos
Espíritos, obra básica da doutrina, Allan Kardec deixou essa questão em
aberto. Espírito cauteloso, que Flammarion chamou de bom senso encarnado, não quis o sábio professor de Lyon adiantar
mais do que devia, no momento em que lançou aquele livro, já de si tão
profundamente revolucionário. Deu, porém, as duas correntes de opiniões que
havia encontrado no mundo dos espíritos, uma das quais favorável à origem animal
do homem, e deixou a escolha a critério dos leitores. Em A Gênese - os milagres e as predições segundo o Espiritismo, Kardec
define, porém, a posição do Espiritismo, no capítulo X, referente à gênese
orgânica, afirmando taxativamente:
“Ainda que isso lhe fira o orgulho, o homem deve resignar-se
a não ver no seu corpo material senão o último anel da vida animal na Terra. O
inexorável argumento dos fatos aí está, contra o qual ele protestará em vão,
mas, quanto mais o corpo diminui de valor aos seus olhos, mais ganha em
importância o princípio espiritual. Vemos o círculo em que se fecha o animal,
mas não vemos o limite a que poderá chegar o espírito do homem.”
Um dos grandes pioneiros e mestres do Espiritismo, que
auxiliaram a tarefa esclarecedora de Allan Kardec, foi Gabriel Delanne. Com
Léon Denis e Kardec, forma ele a trilogia dos construtores do moderno
espiritualismo. Em sua obra A Evolução
Anímica, dá-nos uma visão ainda mais ampla e minuciosa desse lento processo
através do qual o homem vem sendo elaborado, na face da Terra. Darwin e os seus
êmulos e seguidores apresentaram-nos o problema do ponto de vista
exclusivamente orgânico, materialista. O Espiritismo nos mostra a outra face da
questão, e por certo a mais importante, que é a espiritual, uma vez que o homem
é espírito e não matéria. Kardec e Delanne colocam-nos a par dos princípios de
um novo ramo da ciência biológica, a psicologia-fisiológica,
que sir Oliver Lodge estuda em seu trabalho sobre a formação do homem.
Toda a natureza é um imenso e penoso trabalho de construção.
A geologia nos mostra a formação da Terra, através dos séculos e dos milênios,
como um lento e laborioso desenvolvimento de forças latentes. Vemos, graças aos
estudos e as pesquisas científicas já agora indiscutíveis, que as várias
classes de seres vivos estão todas ligadas numa ampla cadeia, descendendo umas
das outras. Por que estranho motivo apenas o homem seria uma exceção à regra
geral? E que estranha exceção seria essa, em detrimento de si próprio, ao invés
de engrandecê-lo? Sim, pois se o homem não se enquadrasse nesse vasto panorama
da evolução terrena, que hoje podemos abarcar num golpe de pensamento, qual
seria sua posição, num mundo de constante evolução? Tudo progrediria ao seu
redor, menos ele, o enteado da criação, abandonado às suas próprias fraquezas e
encerrado no estreito limite da vida orgânica, entre o berço e o túmulo.
Vemos, assim, que o Espiritismo nos apresenta um quadro geral
do Universo como um processo contínuo de evolução. Tudo flui e tudo se transforma, já dizia Heráclito, de Éfeso. Nesse
imenso processo, o homem representa, segundo o Espiritismo, o ponto culminante
da natureza. Poderemos dizer que ele é o momento do Universo mais próximo de
Deus.
Mas Ele – Deus – não foi esquecido ou diminuído por essa nova
concepção da vida e do mundo? Deus não ficou à margem, dando lugar a um simples
entrechoque de forças desconhecidas, para a produção do mundo e das formas
vivas, no espaço e no tempo?
J. Herculano Pires
O Sentido da Vida
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