terça-feira, 22 de novembro de 2011

A Formação do Homem


A Formação do Homem



O grande físico inglês, sir Oliver Lodge, escreveu uma pequena obra, sintetizando as conquistas da ciência e da filosofia, no terreno do conhecimento do homem em si mesmo, para concluir, de acordo com as novas perspectivas abertas pelo Espiritismo, em favor da tese renovadora de que o homem é ainda um processo em desenvolvimento. Essa tese contradiz os dogmas religiosos que definem o homem como obra consumada de Deus, mas não contradiz os ensinamentos mais profundos e mais antigos das escrituras sagradas, em que as religiões procuram assentar as suas bases, nem contradiz o resultado das modernas pesquisas científicas e a mais avançada concepção filosófica da origem e do destino do homem.
A teoria do transformismo, da evolução das espécies, de Charles Darwin, simultaneamente apresentada pelo grande botânico e zoólogo Alfred Russel Wallace, que mais tarde escreveu o seu famoso livro Os Milagres e o Moderno Espiritualismo, apresenta o homem como descendente direto de espécies inferiores, dos animais, e mais proximamente, do macaco.
Segundo essa teoria, o homem é um ser que vem sendo elaborado pela natureza através de longo processo, passando pelas mais variadas experiências biológicas, para chegar ao seu estado atual, e daqui avançar para frente. Assim, a vida não é mais do que um trabalho constante de elaboração, e o homem é o mais elevado produto desse esforço multimilenar de todas as forças conhecidas e desconhecidas do universo que habitamos.
A teoria da seleção das espécies e da origem animal do homem ainda não está cientificamente comprovada, mas é geralmente aceita como a única explicação razoável do aparecimento da espécie humana na Terra, do ponto de vista científico. Os teólogos das várias religiões cristãs, e ultimamente alguns teósofos e ocultistas, levantam objeções teológicas e filosóficas a essa teoria, mas todas elas destituídas de qualquer fundamento científico. A tendência geral da ciência moderna é favorável a essa teoria e a maior parte dos biólogos a aceita e a endossa, sem qualquer restrição fundamental.
Há pessoas que entendem não ser possível tão estreito parentesco entre os homens e os animais, considerando tal fato depreciativo para a espécie humana. Puro e simples orgulho de um animal mais adiantado na escala evolutiva. E incoerência também, pois já não bastaria, para a satisfação desse orgulho, a suposição de que é o homem o máximo expoente do universo por ele habitado?
Em O Livro dos Espíritos, obra básica da doutrina, Allan Kardec deixou essa questão em aberto. Espírito cauteloso, que Flammarion chamou de bom senso encarnado, não quis o sábio professor de Lyon adiantar mais do que devia, no momento em que lançou aquele livro, já de si tão profundamente revolucionário. Deu, porém, as duas correntes de opiniões que havia encontrado no mundo dos espíritos, uma das quais favorável à origem animal do homem, e deixou a escolha a critério dos leitores. Em A Gênese - os milagres e as predições segundo o Espiritismo, Kardec define, porém, a posição do Espiritismo, no capítulo X, referente à gênese orgânica, afirmando taxativamente:
“Ainda que isso lhe fira o orgulho, o homem deve resignar-se a não ver no seu corpo material senão o último anel da vida animal na Terra. O inexorável argumento dos fatos aí está, contra o qual ele protestará em vão, mas, quanto mais o corpo diminui de valor aos seus olhos, mais ganha em importância o princípio espiritual. Vemos o círculo em que se fecha o animal, mas não vemos o limite a que poderá chegar o espírito do homem.”
Um dos grandes pioneiros e mestres do Espiritismo, que auxiliaram a tarefa esclarecedora de Allan Kardec, foi Gabriel Delanne. Com Léon Denis e Kardec, forma ele a trilogia dos construtores do moderno espiritualismo. Em sua obra A Evolução Anímica, dá-nos uma visão ainda mais ampla e minuciosa desse lento processo através do qual o homem vem sendo elaborado, na face da Terra. Darwin e os seus êmulos e seguidores apresentaram-nos o problema do ponto de vista exclusivamente orgânico, materialista. O Espiritismo nos mostra a outra face da questão, e por certo a mais importante, que é a espiritual, uma vez que o homem é espírito e não matéria. Kardec e Delanne colocam-nos a par dos princípios de um novo ramo da ciência biológica, a psicologia-fisiológica, que sir Oliver Lodge estuda em seu trabalho sobre a formação do homem.
Toda a natureza é um imenso e penoso trabalho de construção. A geologia nos mostra a formação da Terra, através dos séculos e dos milênios, como um lento e laborioso desenvolvimento de forças latentes. Vemos, graças aos estudos e as pesquisas científicas já agora indiscutíveis, que as várias classes de seres vivos estão todas ligadas numa ampla cadeia, descendendo umas das outras. Por que estranho motivo apenas o homem seria uma exceção à regra geral? E que estranha exceção seria essa, em detrimento de si próprio, ao invés de engrandecê-lo? Sim, pois se o homem não se enquadrasse nesse vasto panorama da evolução terrena, que hoje podemos abarcar num golpe de pensamento, qual seria sua posição, num mundo de constante evolução? Tudo progrediria ao seu redor, menos ele, o enteado da criação, abandonado às suas próprias fraquezas e encerrado no estreito limite da vida orgânica, entre o berço e o túmulo.
Vemos, assim, que o Espiritismo nos apresenta um quadro geral do Universo como um processo contínuo de evolução. Tudo flui e tudo se transforma, já dizia Heráclito, de Éfeso. Nesse imenso processo, o homem representa, segundo o Espiritismo, o ponto culminante da natureza. Poderemos dizer que ele é o momento do Universo mais próximo de Deus.
Mas Ele – Deus – não foi esquecido ou diminuído por essa nova concepção da vida e do mundo? Deus não ficou à margem, dando lugar a um simples entrechoque de forças desconhecidas, para a produção do mundo e das formas vivas, no espaço e no tempo?

J. Herculano Pires


O Sentido da Vida

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