O Sentido da Vida
Os ricos, bem aquinhoados pela fortuna, despreocupam-se de
muitas dessas coisas, que pesam mais fortemente na vida obscura de milhares de
pobres, de milhares de pessoas que vivem do suor de seu próprio rosto. Mas,
mesmo para eles, a vida reserva o seu quinhão de desilusões e de amarguras. E
não raro ela se torna tão amarga, através das dificuldades de família, das
lutas inglórias com amigos e parentes, das decepções de toda espécie, que o
homem aparentemente felizardo, senhor de grandes fortunas, se enche de tédio e
procura uma saída no suicídio ou nas dissipações e no tumulto das paixões
impuras.
Os cientistas e os artistas, dizia Goethe, empenham-se no caminho
de suas conquistas e realizações, e de nada mais precisam. Os religiosos apegam-se
à fé e conseguem superar os próprios dissabores. Entretanto, se analisarmos
melhor esses velhos conceitos, à luz das experiências reais, veremos que nem a
Ciência, nem a Arte, a Filosofia ou a Religião conseguem de fato salvar o homem
do vazio da vida, quando esse vazio se lhe apresenta em todo o seu horror. O
estímulo de viver, que esses ramos do conhecimento humano conseguem despertar,
pode também esgotar-se, levando o cientista, o artista, o filósofo e o
religioso ao desespero e à descrença.
Diante disso, procuram os homens construir várias espécies ou
sistemas de explicações para a vida. Numerosos livros foram escritos, milhares
de conferências são diariamente pronunciadas, no intuito de tornar suportável a
existência para todos, aplainando o escarpado caminho dos desiludidos e descrentes.
Desses sistemas, há um que podemos chamar de heróico. É o
materialista, que explica a vida como uma fatalidade natural a que não podemos
fugir e que devemos enfrentar com energia e serenidade, sem nos atemorizarmos e
sem cometermos a franqueza de uma deserção. Belo sistema para as almas fortes,
dotadas da intuição inata de que a vida tem um objetivo oculto, embora intelectualmente
o neguem. Mas de que serve todo o heroísmo desse sistema para a grande massa do
povo, que não tem disposição para o heroísmo? Se nos fosse possível tornar
materialista um povo inteiro, toda uma nação, veríamos a que extremos de
desespero e de loucura esse belo sistema nos levaria.
Há um sistema que poderíamos chamar de superficial, e que se
enquadra, na filosofia clássica, na corrente do ceticismo, que nos vem do
filósofo grego Pirron (aproximadamente 360-270 a.C.). Este sistema nada explica
nem quer explicar. Limita-se a considerar a vida como um fato consumado, diante
do qual não nos resta fazer outra coisa senão suportá-la. Para os temperamentos
frios, naturalmente indiferentes e egoístas, ele pode servir. Mas há momentos
em que o próprio egoísta se vê apanhado num torniquete do qual não pode sair e
não raro sente que o seu sistema de indiferença lhe escapa das mãos, deixando-o
sozinho e desarmado diante do imenso mistério do mundo e da vida.
Há um sistema que chamaríamos de otimista, e que não se funda
no pensamento de Epicuro porque é muito inconseqüente para ter as suas raízes
em tão esplêndida fonte. Segundo ele, a vida é bela, o mundo é magnífico e o
homem nasceu para gozar as delícias da vida e os esplendores do mundo. Quando,
premido pela doença ou por qualquer outros motivos imperiosos, não pode
satisfazer a esse objetivo único da existência, deve ele corajosamente estourar
os miolos com uma bala ou atirar-se do último andar do mais elegante
arranha-céu. Este sistema encontra, hoje, intérpretes mais ou menos avançados
em certos ramos da chamada filosofia existencialista.
Mas há outro sistema, que se enquadra na estrutura
doutrinária das várias religiões dominantes no mundo, segundo o qual o homem nasceu
para sofrer e o seu destino é a dor, a amargura, a desesperança, a luta
constante com as adversidades insuperáveis. É o sistema doloroso do misticismo
exasperante, que o povo, entretanto, procura sempre dosar com sua esperança
ilógica nos milagres e nas providências dos santos e dos anjos. Há um lema para
este sistema, que todos nós conhecemos, e não raro repetimos, por força do
hábito: “A felicidade não é deste mundo.”
O Espiritismo, entretanto, ao surgir na Terra, em forma de
filosofia e, portanto, de interpretação da vida, em meados do século XIX, opôs-se
desde logo a todos esses sistemas. Negou que a vida não tenha objetivo nem significação,
combateu a teoria do prazer material como finalidade da existência humana e
manifestou-se contrário à idéia de que o homem nasceu para sofrer. Os espíritos
que deram a Kardec a tarefa de codificar a doutrina ensinaram-lhe outro
sistema, diferente de todos os anteriores. E abriram, com ele, perspectivas
novas e mais amplas para a inteligência humana, horizontes mais vastos para o
coração angustiado do homem terreno, que se debatia entre a crença empírica
numa vida futura e a descrença científica, cada vez mais desesperada, em qualquer
possibilidade de sobrevivência.
O Espiritismo renovou fundamentalmente a concepção humana da
vida e do mundo, ensinando ao homem que ele não nasceu para gozar nem para
sofrer, mas apenas para evoluir, para progredir, como tudo evolui e progride ao
nosso redor, na natureza e na própria sociedade. A dor deixou de ser um castigo
imposto ao homem pela absurda vingança de Deus contra o casal primitivo; o
prazer deixou de ser o objetivo aceitável da existência corpórea e ambos,
prazer e dor, passaram a ser meras decorrências de um processo mais amplo e
mais complexo, em que o homem se acha envolvido, para crescer e se desenvolver,
em espírito e verdade.
J. Herculano Pires
O Sentido da Vida
Nenhum comentário:
Postar um comentário