70 anos de Paulo e Estevão
Antonio Cesar Perri de Carvalho
Por uma deferência do então administrador da fazenda e chefe de Chico Xavier, este foi contemplado com a oportunidade de utilizar a referida sala nos intervalos das refeições, evitando que se deslocasse até sua residência. Este episódio e, pelo fato dessa fazenda ter sido o local de trabalho do então funcionário do Ministério da Agricultura e também pela frequência assídua do médium à reunião semanal do “Evangelho no lar” na residência de Joviano, a Universidade Federal de Minas Gerais – atual responsável pela fazenda – criou o Espaço Cultural Chico Xavier. Contando com as seguintes parcerias: Universidade, FEB e União Espírita Mineira, houve uma remodelação das dependências físicas e a inauguração ocorreu durante as comemorações do Centenário de Chico Xavier. O livro veio a lume no ano seguinte. Antes do lançamento da primeira edição de Paulo e Estêvão, ocorrido em julho de 1942, a revista Reformador já anunciava a obra em artigo de Ismael Gomes Braga: É uma biografia romanceada, do tipo das biografias modernas, mas diferente destas pela sua finalidade. [...]
No livro de Emmanuel os principais personagens nos traçam regras de conduta, abrem roteiro para a humanidade.1 E o articulista vaticina: “Pela beleza da forma e elevação dos ensinos, é sem dúvida uma obra de grande futuro”.1 No mês de lançamento da edição histórica, Alexandre Dias comentava que “as cenas e os cenários bem traçados, como a perfeita carac-prendem a atenção do leitor”.2 Pouco depois,Arnaldo Claro de S. Thiago opinava que “como romance histórico, de cunho realista, é de admirável tessitura; de um sabor clássico que agrada mesmo aos mais exigentes”.3 Passadas sete décadas, o citado romance de Emmanuel é considerado, a obra-prima da psicografia de Chico Xavier e, dentre seus livros mediúnicos, coloca-se entre os mais editados pela FEB! Esse livro traz grande contribuição para o entendimento das movimentações iniciais dos seguidores do Cristo – os “homens do Caminho” –, depois chamados cristãos, fato relatado pelo autor espiritual.
É uma portentosa obra para se entender a profundidade e a abrangência de Paulo de Tarso, apóstolo indireto, mas inegavelmente o maior discípulo do Cristo e responsável pelo assentamento das bases do Cristianismo em várias localidades do Império e na sua capital – Roma. Em “Breve Notícia”, texto que antecede e prepara o leitor para a obra, Emmanuel esclareceu:
[...] não é nosso propósito levantar apenas uma biografia romanceada. [...] Nosso melhor e mais sincero desejo é recordar as lutas acerbas e os ásperos testemunhos de um coração extraordinário, que se levantou das lutas humanas para seguir os passos do Mestre, num esforço incessante.4 Estêvão faz juz por aparecer no título do livro, pois “sem Estêvão, não teríamos Paulo de Tarso. [...]
A contribuição de Estêvão e de outras personagens desta história real vem confirmar a necessidade e a universalidade da lei de cooperação”.4 O autor também revelou: Outra finalidade deste esforço humilde é reconhecer que o Apóstolo não poderia chegar a essa possibilidade, em ação isolada no mundo. [...] sem cooperação, não poderia existir amor; e o amor é a força de Deus, que equilibra o Universo.4 No final, Emmanuel complementa: Oferecendo, pois, este humilde trabalho aos nossos irmãos da Terra, formulamos votos para que o exemplo do Grande Convertido se faça mais claro em nossos corações, a fim de que cada discípulo possa entender quanto lhe compete trabalhar e sofrer, por amor a Jesus-Cristo.4 Em nossos dias há estudos que apontam: “[...] a conversão de Saulo se deu antes da primavera, ou seja, no primeiro trimestre do ano 36 d. C.”.5 Após o alerta do inigualável encontro: “– Saulo!... Saulo!...
Por que me persegues?”,6 surgiram momentos difíceis e delicados, de intensas lutas interiores e de humilhações, inclusive quando o ex-doutor da Lei procura a igreja do “Caminho” nos arredores de Jerusalém, as definições para os primeiros labores apostólicos, as polêmicas sobre a abrangência do trabalho e da difusão do Cristianismo. Paulo superou as tendências judaizantes de alguns apóstolos e partiu para a disseminação da mensagem e da vivência cristãs junto à gentilidade. 7 Além de ser o fundador e estimulador de centenas de núcleos cristãos, inovou ao redigir as epístolas: – Não te atormentes com as necessidades do serviço.
É natural que não possas assistir pessoalmente a todos, ao mesmo tempo. [...] – Poderás resolver o problema escrevendo a todos os irmãos em meu nome [...].8 Há muita orientação e aprendizagem na obra e vale o destaque para o roteiro continuado: As assembleias eram dominadas por ascendentes profundos do amor espiritual. A solidariedade estabelecera-se com fundamentos divinos. [...]
A união de pensamentos em torno de um só objetivo dava ensejo a formosas manifestações de espiritualidade.9 Em outra obra, o autor espiritual esclarece um episódio curioso que o vincula ao apóstolo dos gentios, e a nosso ver, a toda a sua trajetória espiritual: [...] Conheci-o, em Roma, nos seus dias de trabalho mais rude de provações mais acerbas. Vi-o uma vez unicamente, quando um carro de Estado transportava o senador Públio Lêntulus, ao longo da Porta Ápia, mas foi o bastante para nunca mais esquecê-lo. [...] Trocamos algumas palavras que me deram a conhecer a sua inteireza de caráter e a grandeza de sua fé. O fato ocorria pouco depois da trágica desencarnação de Lívia e eu trazia o espírito atormentado.10
Como já destacavam os primeiros comentaristas de Reformador sobre a obra em foco, o romance é muito significativo. A leitura, estudo e reflexão em torno da obra septuagenária é oportuna em nossos dias. Cabem ilações e até algumas analogias com relação a algumas querelas e polêmicas organizacionais, de práticas de mediunidade e de comunicação da atualidade.
A experiência de vida do personagem homenageado na obra magistral é muito rica e valorosa.
A inspiração em Paulo é sempre valorizada por Emmanuel: “O convertido de Damasco foi o agricultor humano que conseguiu aclimatar a flor divina do Evangelho sobre o mundo”,10 ou ainda: “O Evangelho não nos diz que Paulo de Tarso fazia maravilhas, mas que Deus operava maravilhas extraordinárias por intermédio das mãos dele”.11
Referências:
1BRAGA, Ismael Gomes. Mais um livro para o futuro. In: Reformador, ano 60, n. 5, p. 16(108)-17(109), mai. 1942. 2DIAS, Alexandre.
Paulo e Estêvão, de Emmanuel. In: Reformador, ano 60, n. 7, p. 24(164), jul. 1942.
3THIAGO, Arnaldo Claro de S. Paulo e Estêvão. Os mártires da fé. In: Reformador, ano 60, n. 11, p. 22(274), nov. 1942.
4XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. ed. esp. Rio de Janeiro: FEB, 2002. Cap. Breve notícia, p. 7-10.
5DIAS, Haroldo Dutra. Cristianismo redivivo: história da era apostólica, a conversão de Saulo. In: Reformador, ano 127, n. 2.160, p. 36(114)-37(115), mar. 2009.
6XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. ed. esp. Rio de Janeiro: FEB, 2002. P. 1, cap. 10, p. 212.
7______. ______. Cap. 4.
8______. ______. P. 2, cap. 7, p. 460-461.
9______. ______. P. 2, cap. 4, p. 342.
10XAVIER, Francisco C. Pelo Espírito Emmanuel. In: TAVARES, Clóvis. Amor e sabedoria de Emmanuel. São Paulo: Ed. Calvário, 1970. Cap. 1, p. 21-23.
11______. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito Emmanuel. 27. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Cap. 74, p. 163-164.
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