No último mês de janeiro/2012, foi lançado o livro "Liberta-Te do Mal".
Neste livro, Joanna de Angelis escreve uma bela mensagem sobre Francisco de Assis.
EPÍSTOLA
AO MENESTREL DE DEUS
DIVALDO FRANCO / JOANNA DE ANGELIS
Pai
Francisco!
Abençoai-nos!
Evocando
aquela tarde de 4 de outubro de 1226, com céu transparente e azulado, há
setecentos e oitenta e quatro anos, três meses e um dia, quando vos preparáveis
para o retorno ao Grande Lar, murmurastes para os poucos irmãos que vos
cuidavam: - Fiz o que me
cabia. E após suave pausa, entrecortada pela
respiração débil, concluístes: - Que Cristo vos ensine o que vos cabe.
As
Irmãs cotovias, algumas das quais vos ouviram cantar a Palavra um
dia no passado, fizeram-se presentes com outras, alegres com a vossa
libertação, voando em círculos sobre a choupana modesta em que vos encontráveis
na amada Porciúncula.
Encerrava-se
naquele momento uma parte da saga incomparável do vosso testemunho de amor ao
Amigo crucificado, crucificado que também estáveis...
Toda
uma epopeia de sacrifícios e abnegação ficaria inscrita nas páginas da
História, demonstrando quanto se pode fazer e viver sob a inspiração do amor de
totalidade.
Quando,
na igrejinha de São Damião, atendestes ao convite que Jesus vos fez, nem sequer
tínheis ideia do que vos iria acontecer, mas assim mesmo seguistes adiante...
Naquele
período o tédio vos dominava e os prazeres do mundo, filhos da fortuna
assim como das honras da cavalaria que antes vos fascinavam, cederam lugar ao
fastio, a um vazio
existencial, no qual a angústia se alojava,
estiolando-vos os sentimentos.
Só
depois compreendestes o que Ele desejava e, dando-vos conta do seu significado,
renunciastes aos bens do mundo e aos vínculos com a família biológica, a fim de
renascerdes das próprias cinzas e abraçardes a Humanidade como vossa irmã.Desnudando-vos
em plena praça, renunciastes a tudo, iniciando a trajetória pela via dolorosa, cantando os dons da pobreza e a fortuna da humildade.
Aqueles
que vos conheceram anteriormente, quando jovial e extravagante, não puderam
acreditar na grande revolução interna e pensaram tratar-se de alguma nova
excentricidade...
Diante,
porém, dos fatos grandiosos resultantes da vossa transformação, diversos deles
foram buscar-vos para que lhes ensinásseis a técnica luminosa da entrega total
a Jesus.
...E
porque nada tínheis, vós e eles buscastes refúgio entre os leprosos que se
escondiam nos escombros em Rio Torto, que se transformaram no suntuoso lar
de vossas residências.
Não
faltaram aqueles contemporâneos que vos definiram como um bando de vagabundos e
desorganizados, porque eles se encontravam asfixiados
pelos gazes das utopias e falácias do corpo transitório, embora os vossos
feitos em favor dos infelizes. Era, porém, a mentalidade da época de trevas e
de ignorância que conseguistes iluminar.
Pedradas
humilhações de todo porte, perseguições e zombarias, fome e necessidades,
conseguistes transformar em estímulo para a incomum entrega a Deus.
Quantas
vezes, interrogastes: - Quanto é demasiado? Ou
melhor, reflexionando, pensastes: Sou eu o proprietário de minhas posses ou elas me possuem?
Acostumado
antes ao conforto e ao luxo, ao poder e ao destaque entre os endinheirados, era
natural que buscásseis o equilíbrio entre a posse e o possuidor, resolvendo
então por nada possuirdes.
Selecionastes
os recursos para a empresa de santificação, utilizando-vos da não - posse como
sendo a libertadora da alma.
Quando
a fome derivada dos jejuns e da falta de alimentos vos excruciava a
todos, vosso canto em homenagem à Irmã Alegria diminuía a tristeza geral e
emoções sublimes tomavam conta de todos vós...
Buscastes com o pequeno grupo o apoio do papa Inocêncio III,
o homem mais poderoso da época, mergulhado em luxo e diplomacia, pompa
exorbitante e indiferença pela fé, não porque necessitáveis dele, que nada
possuía para oferecer-vos em espiritualidade, mas para evitardes a pecha
degradante de heresia em vossa e na conduta daqueles que vos seguiam. E apesar
de tudo, o sensibilizastes pela pureza, candura e devotamento a Jesus, dele
conseguindo somente uma bênção, perfeitamente Vistes
ali, no Palácio de Latrão, em
Roma, o anticristianismo, o burlesco, o jogo dos interesses vis, nos quais
Jesus estava ausente...
As
vossas palavras e exemplos tornaram-se estrelas iluminando a grande noite da
Idade Média e avolumaram-se aqueles que buscavam Jesus despido das mentiras
humanas e dos rituais enganosos da tradição teológica.
O
vosso é o Jesus da simplicidade, da pobreza, do amor aos infelizes, da renúncia
às ilusões e da sublimada entrega a Deus, não aquele a quem diziam seguir...
Quando
Clara buscou o vosso auxílio, deixando para trás o mundo de fantasias,
acolhestes a jovem afetuosa, sem recear o poder da sua família, tonsurando-a de
imediato, para que ficasse sob a proteção da Igreja e não fosse obrigada a
retornar ao século.
Intimorato
guerreiro do amor, quanta coragem tínheis!
As
vossas dores físicas, naqueles dias, despedaçavam o vosso corpo frágil e
afligiam a alma veneranda: malária em surtos contínuos com febre e dores
estomacais, com o baço e o fígado comprometidos não conseguiram
desanimar-vos...
Ao
lado dessas aflições vosso corpo foi lentamente transformado num jardim, no
qual passaram a desabrochar as primeiras rosas arroxeadas da hanseníase...
Suportáveis
tudo com paz, cantando louvores a Deus e aos Irmãos da Natureza.
Em
vossa ingenuidade, um pouco antes, pensando em converter a Jesus o sultão al-Malik-al-Kamir,
viajastes ao Egito com vosso irmão Illuminatus, conseguindo dialogar com o nobre muçulmano, que acenou com
a paz a Pelágio
mais de uma vez, e que a recusou, redundando em tragédia a Quinta Cruzada.
Embora
sentindo-vos fracassar no empenho para a conversão do monarca, buscastes os
leprosos e os mais ínfimos pelos sítios por onde peregrinastes.
Com
anuência do sultão gentil visitastes os lugares onde nascera, viera e morrera o
Amor Incomum, fortalecendo-vos para as crucificações do futuro a que seríeis
submetido.
Quando
retornastes à querida Assis, já sentíeis as dores quase insuportáveis da
conjuntivite tracomatosa, muito comum no Oriente, e que atinge ainda hoje
milhões de vítimas, levando-as à cegueira.
Aconselhado
por frei Elias e o cardeal Ugolino, que vos amava, aceitastes em
submeterdes-vos ao tratamento especial contra o tracoma em Rieti, nas mãos do médico que aqueceu dois
ferros até os tornar brasas vivas e vos cegou, na ignorância presunçosa,
atribuindo-se conhecimentos que não possuía, abrindo na vossa face duas imensas
feridas que chegavam às orelhas. E nem sequer reclamastes, exclamando,
confiante: - Oh, Irmão fogo!... Sê
bondoso comigo nesta hora...
Como
se não bastasse, posteriormente, a fim de estancar a purulência dos vossos
ouvidos, novamente experimentastes barras de ferro em brasa que os penetraram,
sem que exteriorizásseis um gemido único...
Oh!
Pai Francisco!
Nas
tempestades que sacudiram então o vosso trabalho e no abandono a que vos
atiraram alguns daqueles que ainda amavam mais o mundo e suas mentiras,
buscastes meditar nos montes Subásio e Alverne, no
último do qual Jesus crucificado, conforme ocorrera diante do crucifixo de São
Damião, vos assinalou com a stigmata, que
alguns negariam depois...
Quando
alguém vos interrogou, posteriormente, o antigo jovem trovador reagiu, dizendo:
- Cuide da sua vida.
Não
desejáveis que ninguém soubesse da vossa perfeita união com Ele, o Rejeitado
sublime.
Aneláveis
por viver e sofrer como Ele vivera e sofrera, embora vos considerásseis inútil servo ou um homem inútil.
Com
o coração trespassado pelas setas contínuas da ingratidão de muitos que
agasalhastes no peito como se fossem cordeiros mansos, embora fossem serpentes
venenosas que vos picaram mil vezes, assim mesmo continuastes amando-os.
Assim
é o mundo com as suas mancomunações!
Os
utilitaristas e a sua perversidade sempre estão presentes em todos os lugares.
Aqueles
porém, que vos atraiçoaram também morreram, Pobrezinho de Deus, e
despertaram com a hanseníase na alma...
Não
vós!
Ave
canora que éreis, ascendestes na escala da evolução, vencendo todos os limites
e dimensões do conhecimento, recebido por Ele, que vos aguardava com a ternura
infinita que reserva para aqueles que O amam. Ei-los, os ingratos, que se encontram de volta à Terra destes dias,
recordando-vos, arrependidos e afáveis, buscando a reabilitação.
Apiedai-vos
de todos eles, os vossos crucificadores, e amparai-os na esperança e na coragem para conseguirem a
autoiluminação.
Menestrel de Deus!
Neste
momento em que a Ciência e a Tecnologia soberbas falharam na tarefa de fazerem
felizes os seres humanos, intercedei ao Pai por todos nós que ainda transitamos
pela senda libertadora, buscando a perdida alegria que desfrutávamos ao
vosso lado, naqueles inolvidáveis dias.
Pai
Francisco!
Abençoai-vos,
mais uma vez.
JOANNA DE ANGELIS
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