quarta-feira, 2 de novembro de 2011

FINADOS -NINGUÉM MORRE, A VIDA É ETERNA!


FINADOS




(..) A alma, em sua peregrinação imensa, diziam os druidas, percorre três círculos, aos quais correspondem três estados sucessivos. No anoufn sofre o jugo da matéria; é o período animal. Penetra depois no abred, círculo das migrações que povoam os mundos de expiação e de provas; a Terra é um desses mundos, e a alma se encarna bastantes vezes em sua superfície. À custa de uma luta incessante, desprende-se das influências corpóreas e deixa o círculo das encarnações para atingir gwynfiá, círculo dos mundos venturosos ou da felicidade. Aí se abrem os horizontes encantadores da espiritualidade.


Ainda mais acima se desenrolam as profundezas do ceugant, círculo do infinito que encerra todos os outros e que só pertence a Deus. Longe de se aproximar do Panteísmo, como a maior parte das doutrinas orientais, o druidismo afasta-se dele por uma concepção inteiramente diferente sobre a Divindade. A sua concepção sobre a vida também não é menos notável. Segundo as Tríades, nenhum ser é joguete da fatalidade, nem favorito de uma graça caprichosa, visto preparar e edificar por si próprio os seus destinos. O seu alvo não é a pesquisa de satisfações efémeras, mas sim a elevação pelo sacrifício e pelo dever cumprido.


A existência é um campo de batalha onde o braço conquista seus postos. Tal doutrina exaltava as qualidades heróicas e depurava os costumes. Estava tão longe das puerilidades místicas quanto da avidez ilusória da teoria do nada Entretanto, parece ter-se afastado da verdade em certo ponto: foi quando estabeleceu que a alma culpada, perseverando no mal, pode perder o fruto de seus trabalhos e recair nos graus inferiores da vida, donde lhe será necessário recomeçar sua longa e dolorosa ascensão. Mas, ajuntam as Tríades, a perda da memória lhe permite recomeçar a luta, sem ter, por obstáculos, o remorso e as irritações do passado. No Gwynfid, recupera, com todas as recordações, a unidade da sua vida-; reata os fragmentos esparsos pela sucessão dos tempos.


Os druidas possuíam conhecimentos cosmológicos muito extensos. Sabiam que o nosso planeta rola no espaço, levado em seu curso ao redor do Sol. É o que ressalta deste outro canto de Taliesino, chamado O Cântico do Mundo: "Perguntarei aos bardos, e por que os bardos não responderão? Perguntarei o que sustenta o mundo; porque, privado de apoio, este globo não se desloca. Que lhe poderia servir de apoio? "Grande viajor é o mundo! Correndo sempre e sem repouso, nunca se desvia da sua linha, e quão admirável é a forma dessa órbita para que jamais se escape dela."


O próprio César, tão pouco versado nessas matérias, diz-nos que os druidas ensinavam muitas coisas sobre a forma e a dimensão da Terra, sobre o movimento dos astros, sobre -as montanhas e os vales da Lua. Dizem que o Universo, eterno e imutável em seu conjunto, se transforma incessantemente em suas partes; que a vida o anima por uma circulação infinita, e espalha-se por todos os pontos. Desprovidos dos meios de observação de que dispõe a ciência moderna, pergunta-se: onde foram os gauleses aprender tais noções?


Os druidas comunicavam-se com o mundo invisível; mil testemunhas o atestam. Nos recintos de pedra evocavam os mortos. As druidesas e os bardos proferiam oráculos. Vários autores referem que Vercingétorix entretinha-se, debaixo das ramagens sombrias dos bosques, com as almas dos heróis mortos em serviço da pátria. Antes de sublevar a Gália contra César, foi para a ilha de Sein, antiga residência das druidesas, e aí, ao esfuziar dos raios, apareceu-lhe um Gênio que predisse sua derrota e seu martírio.


A comemoração dos mortos é de iniciativa gaulesa. No dia primeiro de novembro celebrava-se, a festa dos Espíritos, não nos cemitérios — os gauleses não honravam os cadáveres —, mas sim em cada habitação, onde os bardos e os videntes evocavam as almas dos defuntos. No entender deles, os bosques e as charnecas eram povoados por Espíritos errantes. Os Duz e os Korrigans eram almas em procura de novas encarnações.


O ensino dos druidas adaptava-se, na ordem política e social, a instituições conforme à justiça. Os gauleses, sabendo que eram animados por um mesmo princípio, chamados todos aos mesmos destinos, sentiam-se iguais e livres. Em cada república gaulesa, os chefes eram oportunamente eleitos pelo povo reunido. A lei céltica punia, com o suplício do fogo, os ambiciosos e os pretendentes à coroa. As mulheres tomavam parte nos conselhos, exerciam funções sacerdotais, eram videntes e profetas. Dispunham de si mesmas e escolhiam seus esposos. A propriedade era coletiva, pertencendo todo o território à república. Por forma alguma era entre eles reconhecido o direito hereditário: a eleição decidia tudo. (..)


(..) Uma sociedade sem esperança, sem fé no futuro, é como um homem perdido no deserto, como uma folha seca que vagueia à feição dos ventos. É bom combater a ignorância e a superstição, mas cumpre substituí-las por crenças racionais. Para seguirmos na vida com passo firme, para nos preservarmos dos desfalecimentos e das quedas, é preciso uma convicção robusta, uma fé que nos eleve acima do mundo material: é necessário ver-se o alvo e para ele nos encaminharmos. A mais segura arma no combate terrestre é uma consciência reta e esclarecida.


Mas, se nos domina a idéia do nada, se acreditamos que a vida não tem sequência e que tudo termina com a morte, então, para sermos lógicos, cumpre sobrepor, a qualquer outro sentimento, o cuidado da existência material, o interesse pessoal. Que nos importa um futuro que não devemos conhecer? A que título falar-nos-ão de progresso, de reformas, de sacrifícios? Se há para nós somente uma existência efêmera, nada mais nos resta fazer do que aproveitar a hora atual, gozar-lhe as alegrias e abandonar-lhe os sofrimentos e os deveres! Tais são os raciocínios em que forçosamente terminam as teorias materialistas, raciocínios que ouvimos formular e vemos aplicar todos os dias em nosso círculo.


Que desordens não serão de esperar como consequência dessas doutrinas, no meio de uma civilização rica e já muito desenvolvida no sentido do luxo e dos gozos? Entretanto, nem todo o ideal está morto. A alma humana tem, ainda, algumas vezes, o sentimento de sua miséria, da insuficiência da existência presente e da necessidade da sobrevivência. No pensamento do povo uma espécie de intuição subsiste. Iludido durante séculos, o povo tornou-se incrédulo a todos os dogmas, mas não é céptico. Vaga e confusamente, crê, aspira à Justiça. E esse culto da saudade, essas manifestações comoventes do 2 de novembro, que impelem as multidões para junto dos túmulos dos mortos, denotam também um instinto confuso da imortalidade.


Não, o povo não é ateu, pois crê na Justiça imanente, como crê na Liberdade, porque a Justiça e a Liberdade existem pelas leis eternas e divinas. Esse sentimento, o maior, o mais belo que se pode achar no fundo da alma, esse sentimento salvar-nos-á!


Para isto, basta fazer compreender a todos que esta noção de Justiça, gravada em nós, é a lei do Universo, que rege todos os seres e todos os mundos, e que, por ela, o Bem deve finalmente triunfar do mal, e a Vida sair da Morte.


Ao mesmo tempo que aspira à Justiça, busca o ente humano vê-la realizada. Procura-a no terreno político como no terreno econômico, no princípio de autoridade. O poder popular começou a estender sobre o mundo uma vasta rede de associações operárias, um agrupamento socialista que abraça todas as nações, e, sob um só estandarte, faz ouvir por toda parte os mesmos apelos, as mesmas reivindicações. Há aí, ninguém se engane, ao mesmo tempo que um espetáculo cheio de ensinamentos para o pensador, uma obra repleta de consequências para o futuro. Inspirada pelas teorias materialistas e ateias, ela se tornaria um instrumento de destruição, porque sua ação resolver-se-ia em tempestades violentas, em resoluções dolorosas.


Contida nos limites da prudência e da moderação, ela muito pode para a felicidade humana. Que um raio de luz desça a esclarecer essas multidões em trabalho; que um ideal elevado venha reanimar essas massas ávidas de progresso, e, graças a tal benefício, veremos todas as antigas pátrias, todas as velhas formas sociais se dissolverem e se fundirem em um mundo novo, baseado sobre o direito de todos, na solidariedade e na justiça. (..)

Depois da morte - Léon Denis - pág. 63, 105



 SÉRGIO RIBEIRO
http://apostolodoespiritismo.blogspot.com

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LÉON DENIS

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